quarta-feira, 23 de abril de 2008

SEM VOLTA

Você vai pensar no que elas quiserem.

Depois delas você jamais será o mesmo. Por ler estas letras elas levam seus pensamentos para um passeio totalmente livre, desprendido de tudo que você já viu, ouviu, tocou, comeu ou cheirou. Desprendido de tudo que seus sentidos já tenham te dado. O caminho do passeio é infinito e em crescimento circular constante. Não existem setas, vias, ou bifurcações, não existe nada. Apenas o espaço circular e sem fim em volta da sua cabeça, sem fim. Estas letras pouco importam, um “C” sempre vai ser um “C”, um “U” sempre um “U”. Mas a representação que estas letras podem fazer nada tem a ver com “Cs” e “Us”. E o alfabeto sempre vai ter vinte e poucas letras. Mas com uma letra ao lado da outra e por assim seguindo, de palavras para palavras, de frases para parágrafos, temos infinitas possibilidades de ser. Um mar de possibilidades para mergulhar. Nunca esta seqüência vai ser igual, é infinita. É um caminho circular vibrante em expansão infinita. E você está no centro. Sua cabeça tem asas.

Seu cérebro escuta o que você pensa o que você fala e o que você lê. E vai reagir a isso. Ele está dentro da sua cabeça para isto, reagir. E você não tem escolha. Agora ele reage a estas letras. Tudo que acontece a sua volta e dentro da sua cabeça com asas gera um pensamento, mesmo que seja não pensar, mesmo que você não saiba. Nosso cérebro é um iceberg de fundo infinito.

Se existe um iceberg em sua cabeça agora, ele boia densamente no vai vem tênue da massa de azul escuro água, seguindo quase não se movendo numa direção, cortando e sendo cortado pelo frio firme e leve que estala entre a superfície e o céu azul semfim, preenchendo o espaço, e os pulmões. O Mar, o céu, o espaço, a massa água, o frio, o iceberg. Imponente. E lá no céu, fundo, atrás dele, um ponto de luz, no horizonte e se afastando dele. Estampado no céu de azul semfim. Brilhando, e aumentando. Se afastando do limite céuterra e indo para o azul. Corre dançando no ar, cresce, curva-se, sobe. Vôa, tem asas e caminho certo, voa, vai. Mergulha e mira o olhar em sua direção. Encara e desce, em rico brilho, firme. O brilho é corpo, como o de um animal, uma criatura, com cores harmônicas de luz, brilhantes, vivas. Desse corpo, longo, bruto, belo, brotam de raízes firmes e com desenho belo um par de asas. Asas com pontas firmes e determinadas, levando, levantando e deixando leve a quase-serpente com calda afiada e cabeça suavemente truculenta, curtos chifres, vibrantes profundos olhos e boca flamejante em azul, vermelho, laranja dançantes. Quente. Ele existe. O ponto de luz existe. Assim como o iceberg, assim como seu cérebro, assim como essas letras, assim como asas. E você compreende que a beleza existe, a harmonia existe, e que voar em chamas é um jeito de se viver. Tua cabeça tem asas.

E as letras não te mostraram nada disso. E o circulo expandiu, expandiu em icebergs, em pontos de luz, em chamas de dragão. E as letras não te mostraram nada disso. Elas são apenas pedaços de um lado da face que direcionam para o centro do zero. E daí para o infinito. E daí para você pensar o que elas quiserem.

Antes de fazer você pensa, e você pensa o que elas quiserem.

Você compreende que não existe nada mais certeiro, real e confiável do que aquilo que não está no mundo dos seus sentidos. Tem certeza que não há nada mais real e confiável do que aquilo que não depende de nada que existe. Cérebro de asas. Temos asas.

A cada movimento de asas você percorre um passo, inédito, e agora já passado, pois as asas são velozes, você não escolhe, não vê o fundo do iceberg, mas entende e compreende o ponto de luz voando e flamejando sobre você. As asas batem. Você não é mais o mesmo, e não tem escolha.

As letras te encaram e você não escolhe, elas te encaram e você as percorre. Enquanto está entre elas, avante, seus pensamentos são moldados. Seu ser é moldado. Ele percorre as letras, e as letras o percorrem, e o levam para além desta face, direto para o zero.

E não tem volta.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A SOMBRA

Era como a sombra de uma peneira, ou a sombra de um vulto. Naquele meio segundo de olhar em que o sentido escapa. E o olhar? Está escapando do quê? O que se passa? Por que não? Qual o problema? Medo do quê?

A sombra me incomodou, a vida inteira. Não tinha medo dela, mas eu a sentia, e o mundo insistiu para que desse sentimento viesse o medo. Daí, eu acharia que a sombra existe, porque o medo existe, e a vida é assim mesmo. A Vida não é assim. Medo de quê?

O melhor da vida é aquilo que não controlamos, o melhor da vida são os caminhos, são as pessoas. Elas são a vida, e o sentido de cada uma dessas partes é mutuamente preenchido, se bastam. O medo não existe. Não existe espaço para ele. Daí sofremos, sofremos muito, acabamos com o nosso mundo, com nossas bases, por causa dele. Medo de quê? De viver?

Se pecado existe, existe só um: não viver. Negar a Vida e a força que ela tem na gente. Ir contra essa força é um salto para o abismo. Ir contra isso é ir contra a realidade. É escolher se cegar, e, com passos cegos não enxergar a vida, não enxergar as pessoas. É viver sozinho. Como se a realidade fosse ruim, como se quando nos esforçássemos em compreender a verdade, ela mostrasse para a gente presas prontas para destroçar o primeiro vacilo que fosse ameaçado, o primeiro risco que decidíssemos correr, o primeiro sorriso que fosse dado. A realidade não é assim. A vida não é assim. Medo de quê?

Depois nos surpreendemos com aquela resposta bruta. Com o julgamento silencioso, com as coisas não ditas, com a vida que poderia ter sido e não foi. E em seguida achamos que o mundo não vale à pena, que a culpa é do ser humano. Que somos o câncer do mundo. E vamos dormir assim, e mal conseguimos dormir. E acordamos com trinta e três respostas brutas no bolso. Armados para quê? Medo de quê?

Por isso que as pessoas vivem assim, com medo de olhares, com medo de toques, com medo de “Quem é vc?”. Quem é você?

Por isso que entende completamente o que estas letras dizem mesmo sem saber responder a maior pergunta que elas fazem: medo de quê?

A realidade é a vida, é viver. O mundo é movimento, a felicidade é livre, e nós, só temos uns aos outros, e sempre vai ser assim, querendo ou não, não precisamos de correntes. Correntes não existem.

Prefiro os esbarrões, as linhas cruzadas, os sorrisos sem volta, os passos de risco. A vida é assim, simples. Como um vôo sublime, arriscado e bom. Medo de quê?

O medo não existe.